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ENSAIOS
Entrevista: Philippe Manoury
Autor:Renato Roschel
26/mar/2018

Ele é um dos compositores mais importantes da atualidade, particularmente reconhecido pelo trabalho com música computacional. Philippe Manoury, que já viveu no Brasil e ensinou música clássica em um conservatório de São Paulo, será o compositor visitante da Osesp nesta temporada. Serão apresentadas duas de suas obras, o Concerto para Flauta, composta especialmente para Emmanuel Pahud, Artista em Residência da Osesp 2018, e o Quarteto de Cordas nº 1 — Stringendo, que será tocado pelo Quarteto Osesp.

 

Em seus últimos trabalhos, Manoury revolucionou a interação dos músicos com a tecnologia, transformando suas obras em verdadeiros laboratórios, em que novas possibilidades sonoras e interativas são testadas em cada apresentação. Sua ligação com as novas tecnologias representa uma face importante da produção contemporânea e também do futuro da música clássica.

 

 

Em setembro de 2018, a Osesp e Emmanuel Pahud apresentarão pela primeira vez ao público latino-americano seu Concerto Para Flauta — o qual terá sua estreia apenas uma semana antes dessa apresentação. O que o senhor pode nos contar sobre essa nova peça?


Comecei essa composição utilizando uma grande quantidade de temas e os organizei em um sistema que eu chamo de gramática gerativa musical. É uma maneira de construir frases musicais da mesma forma que são construídas as frases em uma língua. Porém, as regras são totalmente diferentes. Obviamente, estou pensando em Emmanuel Pahud [Artista em Residência da Temporada 2018 da Osesp] ao compor essa peça. Emmanuel é único, possui uma expressividade tremenda.


Em razão disso, quero compor algo que seja capaz de jogar luz sobre as maravilhosas qualidades musicais de Emmanuel, algo que seja capaz de surpreender os ouvintes ao explorar as enormes capacidades expressivas desse músico. Será uma peça cheia de nuances.


Emmanuel será acompanhado por outros quatro solistas que estarão distribuídos pela sala de concerto. Quero criar uma espécie de dramaturgia musical, a qual será provavelmente composta em um único e longo movimento.

 


O senhor estudou composição com Michel Philippot, que viveu e ensinou no Brasil por alguns anos, como o senhor. O que aprendeu mais com ele e o que lembra dos seus anos em São Paulo?


Michel Philippot e eu éramos muito próximos. Foi ele quem me introduziu a diferentes técnicas de composição, principalmente aquelas que utilizam modelos matemáticos. Quando terminei meus estudos no Conservatório de Paris, Philippot me convidou para acompanhá-lo no Festival de Inverno de Campos do Jordão. Lá, conheci o maestro Eleazar de Carvalho, que era então diretor do Festival.


Depois disso, decidi ficar mais tempo no Brasil, onde vivi entre 1979 e 1980. Philippot me pediu para fazer cinco palestras a respeito da ópera Wozzeck, de Alban Berg.


Entre os estudantes que participaram desse seminário estava um jovem rapaz chamado Flo Menezes.


Na sequência a esse curso, tentei uma posição como professor na Unesp, mas não deu certo. Então, tornei-me professor do Conservatório Musical Brooklin Paulista, escola então dirigida por Sígrido Levental.


Tenho ótimas recordações desse período e das minhas aulas sobre Boulez, Xenakis e Stockhausen. Nesse período, além de Hans-Joachim Koellreutter, conheci vários compositores. Entre eles, Walter Smetak, que vivia em Salvador e inventava seus próprios instrumentos, e Jorge Antunes, que era professor em Brasília.


O Brasil vivia o fim da ditadura militar. O país caminhava para uma lenta transição democrática e a vida dos músicos eruditos era muito difícil. A música popular era muito forte, enquanto a música erudita praticamente não existia.


Passei muitas noites em ensaios de escolas de samba. Era um momento em que a maior parte dos grandes músicos brasileiros vivia fora do país. Lembro-me claramente que, depois de muitos meses vivendo no Brasil, assisti a um concerto da Orquestra de Paris, sob a regência de Daniel Barenboim, em São Paulo.


Em minha cabeça, esse evento era um sinal de que necessitava retornar para a Europa. Antes de me mudar para o Brasil, havia enviado um projeto de pesquisa para o IRCAM [Institut de Recherche et Coordination Acoustique/Musique]. Quando retornei, em 1980, descobri que meu projeto havia sido aprovado. Nesse momento, começaram meus mais de 30 anos de colaboração com esse instituto em Paris.

 


O que um compositor pode realmente aprender de outros compositores? Até onde vai o autodidatismo na composição?


É impossível se tornar um compositor sem receber influências. O único que fez algo que se aproximou disso foi Xenakis. Recentemente, descobri algumas peças iniciais de piano que ele escreveu antes de encontrar seu próprio estilo. Ele era uma espécie de compositor folclórico-nacionalista!


Mas o ofício, a orquestração, as técnicas de desenvolvimento, todos nós aprendemos a partir da pontuação de outros compositores. Mesmo negativamente, quando você não gosta de um compositor, você aprende.


Quando alguns compositores pensam que são absolutamente autodidatas, é porque eles não estão conscientes do que aprenderam com os outros. Há também, e eu já vi esse caso com frequência, aqueles que querem esconder uma influência. Por exemplo, Prokofiev não gostava muito de Rachmaninoff porque sabia exatamente o que havia roubado dele. Isso é diferente do estilo pessoal, que pode chegar cedo, tarde ou nunca.


Por que alguns músicos têm a capacidade de inventar novas formas musicais e outros não? Ninguém jamais responderá a essa pergunta.

 


Seu trabalho é muito importante para a computação musical. Qual é o futuro dessa área da música clássica?


A utilização de computadores na música é inevitável. Os computadores estão em todo lugar: música, cinema, vídeo, literatura, gastronomia, medicina, ciências. Os jovens de hoje têm muito mais facilidade para lidar com um computador do que os da minha geração.


A questão, na verdade, não é o futuro da tecnologia na música clássica, mas o futuro da música clássica em si. Isto sim é algo muito difícil de prever. E é uma questão de fundo sociológico, quando cada vez menos pessoas ouvem música clássica e cada vez mais ouvem rock ou música pop, em razão das rádios, das TV e da internet: torna-se muito difícil imaginar como será o futuro da música clássica.


Nós vivemos em um mundo de comunicação em massa onde é muito importante fazer parte de um grande grupo. Porém, apesar desse quadro, eu não sou totalmente pessimista. Vejo que, em diferentes culturas, muita gente segue se interessando por música clássica. Você consegue imaginar quantos milhões de crianças chinesas estão nesse momento estudando piano ou violino? Milhões de pessoas no Japão e na Coreia do Sul são apaixonadas pela música clássica ocidental ou contemporânea. Isso é uma esperança.


Talvez, daqui a algumas décadas, nós seremos obrigados a aprender com outros povos a nossa própria cultura!

 


Como a inserção da tecnologia nas últimas décadas alterou o processo criativo da composição?


Em minha opinião essa foi a mais importante revolução musical das últimas décadas. A música que sou capaz de compor utilizando as novas tecnologias é baseada em análises das maneiras possíveis de se tocar um instrumento.


Hoje, nós temos ferramentas sofisticadas capazes de interagir com os músicos durante as apresentações ao vivo. A música que eu componho é em sua maioria feita em tempo real. Isso significa que, se o músico toca algo diferente em seu instrumento, a parte eletrônica vai se modificar também. Nada é fixo, tudo é interativo.


Vou compor uma nova obra para Daniel Barenboim, na qual todas essas possibilidades vão se tornar evidentes. A meu ver, a tecnologia não significa nada se não há uma participação humana. A parte mais interessante da tecnologia é estar adaptada à complexidade do nosso cérebro e das nossas sensibilidades musicais.


Nós ficaremos perplexos com o que vai aparecer nessa área nos próximos anos. Uma coisa é certa: se agora utilizamos a tecnologia, isso significa que a música atual precisa ser diferente daquela que foi composta sem esse ingrediente.

 


O senhor já disse que, assim como há ideias matemáticas que não podem ser expressas sem as equações, existem ideias musicais que não podem ser expressas em palavras. Existe sempre algo puramente intuitivo sobre a experiência musical?


Sempre me preocupei com o fato de não ser possível expressar algumas ideias musicais de outra maneira que não fosse por meio da partitura. Quando você realmente entende teoria quântica ou matemática, é capaz de manipular as equações. Sem isso, jamais vai chegar ao cerne da questão.


É a mesma coisa na música. Muitas vezes, as pessoas me perguntam qual é o sentido de uma obra que eu compus. Eu simplesmente não sou capaz de dizer porque não sou capaz de colocar isso em palavras. O som fala por si.


Na maioria dos casos, não entendemos as razões que nos fazem ser tocados por uma determinada obra musical. A intuição é intrínseca à música. É impossível fazer música sem intuição; mas a intuição não é suficiente para dar conta da criação musical.

 

 

Entrevista a Renato Roschel