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ENSAIOS
O sistema e a ideia
Autor:Pierre Boulez
19/mai/2021

Sempre se acentuou a evolução da linguagem rumo a um cromatismo total e, a partir da Escola de Viena — que manifestou particularmente essa continuidade da evolução —, a linhagem Wagner-Mahler-Schoenberg se impôs como o símbolo da renovação. Mas não se deve esquecer de que se tratava de um certo tipo de renovação no qual as funções muito direcionais da linguagem harmônica se dissolveram, de fato, graças ao recurso constante de acordes que podemos chamar de acordes vagos, mas que teria sido possível chamar mais exatamente de “acordes multidirecionais”. Por outro lado, as relações de voz a voz no contraponto são governadas, cada vez mais, pela complementaridade cromática. Mas existe outra diretriz da renovação que começaria em Mussorgsky e prosseguiria graças a Debussy e Stravinsky. Aqui já não se trata de dar aos objetos uma ambiguidade constante. Com frequência, conservam-se objetos perfeitamente identifi cáveis, mas eles ficam imobilizados numa dada posição acústica, e deles se retira toda funcionalidade de encadeamentos. Os acordes paralelos de Debussy são um modelo desse gênero. O acorde perfeito, de sétima ou de nona, não assume mais a função de acorde perfeito, de sétima ou de nona: ele é a amplificação acústica, por assim dizer, de uma nota simples. Em Stravinsky, o fenômeno torna-se mais rico — na Sagração da Primavera em particular —, com notas adjacentes que tornam complexo um objeto simples, retirando-lhe com isso menos de sua função primitiva ou de dispositivos que nada mais têm a ver com um acorde “funcional”, mas que estão ali essencialmente por suas propriedades acústicas. Varèse se servirá deles de igual modo. [...]

 

Se, em Debussy, o universo harmônico incide tanto sobre o diatonismo quanto sobre o cromatismo — Wagner em Parsifal, e também em Tristão, não se priva muito dessa dialética —, o Stravinsky da Sagração da Primavera e Varèse igualmente utilizam agregados essencialmente cromáticos nos quais a funcionalidade é posta em dúvida desde o início, por causa das tensões criadas no interior mesmo do objeto harmônico.

 

A evolução dessas duas linhagens, por mais distantes que possam parecer, se baseia portanto num mesmo fenômeno: a rejeição de funções estabelecidas como base consistente e coerente da linguagem.

 

Pierre Boulez. “Le Système et l’Idée.” In: Jalons (Pour une Décennie). Paris: Christian Bourgois, 1989. Tradução de Marcos Bagno.